Título: Grande Sertão: Veredas
Autor: João Guimarães Rosa
Editora: Nova Fronteira
Páginas: 736
"Nesta obra de Guimarães Rosa, o sertão é visto e vivido de uma maneira subjetiva e profunda, e não apenas como uma paisagem a ser descrita, ou como uma série de costumes que parecem pitorescos. Sua visão resulta de um processo de integração total entre o autor e a temática, e dessa integração a linguagem é o reflexo principal. Para contar o sertão, Guimarães Rosa utiliza-se do idioma do próprio sertão, falado por Riobaldo em sua extensa e perturbadora narrativa.
Encontramos em "Grande Sertão: Veredas" dimensões universais da condição humana - o amor, a morte, o sofrimento, o ódio, a alegria - retratadas através das lembranças do jagunço em suas aventuras no sertão mítico, e de seu amor impossível por Diadorim."
Olá olá... Como vai o interesse de vocês por clássicos? “Grande Sertão: Veredas” é meu livro de cabeceira e estou cumprindo minha promessa de mais informações a respeito.
Esse post não se trata exatamente de uma resenha, é uma análise do livro com base em um tema específico, já que obra é ampla e cheia de possibilidades a serem exploradas. Algumas informações podem ser consideradas spoilers, mas nada que vá comprometer seu interesse na leitura (não conto o final da história).
A obra é narrada em primeira pessoa, na voz do jagunço
Riobaldo, que conta os acontecimentos de sua vida a um interlocutor que
raramente é retomado. Através da descrição das andanças do grupo de jagunços
pelo sertão brasileiro – seus costumes, seus conflitos –, Riobaldo relembra
seus anos de amizade com Diadorim e o que isto significou em sua vida. Como a narrativa não é contínua, certos
pontos narrados começam a fazer sentido apenas com certo avanço na leitura. É
como um diálogo realmente, conforme ele vai se lembrando, vai organizando os
fatos.
A DUALIDADE EM “GRANDE SERTÃO:
VEREDAS”
Muito se houve falar sobre as diversas faces da vida e as
oposições presentes nessa e no íntimo do próprio homem. Verdade é que um
extremo não existe sem seu oposto. A luz não seria o que é sem a escuridão, o
bem sem o mal, também não. Sabe-se que, em sua essência de ser, dependem um do
outro, mas seria possível a coexistência de elementos antagônicos? Não só é
possível, mas comum e os exemplos mais claros somos nós mesmos.
A dualidade presente no ser humano está explicita nas suas
mudanças de humor, ideias, vontades, pontos de vista e, até na adequação do
comportamento de acordo com o ambiente em que se encontra. Os que se mostram
rudes e autoritários podem ser os mais sensíveis e, aqueles que inspiram maior
fragilidade, podem ser os mais fortes. O que se realmente é, raramente é o que se
aparenta ser, e se o é em parte, a outra se torna ainda mais oculta.
“Que isso foi o que sempre me invocou, o senhor sabe: eu careço de que o
bom seja bom e o rúim ruim, que dum lado esteja o preto e do outro o branco,
que o feio fique bem apartado do bonito e a alegria longe da tristeza! Quero os
todos pastos demarcados... Como é que posso com este mundo? A vida é ingrata no
macio de si; mas transtraz a esperança mesmo do meio do fel do desespero. Ao
que, este mundo é muito misturado...” (ROSA, 1956, p. 237)
Em meio à obra “Grande Sertão: Veredas” essa dualidade se
deixa perceber em diferentes elementos, inclusive no título, onde a ideia da
palavra “sertão” se contrapõe a “veredas”. A questão da existência de Deus e do
Diabo inquieta o narrador-personagem Riobaldo durante toda a narrativa,
trazendo à tona a discussão sobre o que é certo e o que é errado. A partir
desse impasse se desenvolve o drama psicológico de Riobaldo, protagonista da
história, o seu “querer e não querer” Diadorim.
A dualidade de Diadorim é explorada no livro tanto no
aspecto físico como no psicológico, e perceptível nos vários nomes atribuídos
ao personagem durante o decorrer da história.
A Dualidade
de Diadorim
O personagem Diadorim é envolto, no decorrer de toda a obra,
por características opostas, que se manifestam em situações diversas. Tais
características permeiam desde o universo psicológico do personagem até a
aparência e o nome, elementos cuja união nos revela uma dualidade complexa, mas
coerente.
Diadorim, com
seus trajes de jagunço, transmitia força e impunha respeito. Manuseava muito
bem as armas e não tripudiava em apertar o gatilho. Andava sempre sério, falava
com autoridade e não tolerava brincadeiras de mau gosto. Em certa ocasião, o
jagunço Fancho-Bode o chamou de “o delicado” e em questão de segundos, Diadorim
já o tinha dominado e o mantinha sobre a mira de um punhal.
Contrastando sua aparência de
homem do sertão, alguns de seus traços físicos se mostravam femininos. A pele
branca, os doces olhos verdes, as mãos delicadas e outras sutilezas em seu
corpo revelavam que Diadorim não era um homem comum. Sob aquele traje de
indestrutibilidade existia uma criatura frágil e sutil.
“Por um sentir: às vezes eu tinha a cisma de que, só de calcar o pé em
terra, alguma coisa nele doesse. Mas, essa idéia, que me dava, era do carinho
meu. Tanto que me vinha a vontade, se pudesse, nessa caminhada, eu carregava
Diadorim, livre de tudo, nas minhas costas.” (ROSA, 1956, p. 388)
Outro detalhe que revelava a existência de algo incomum e
aumentava o mistério, era que Diadorim nunca permitia que o vissem despido e
evitava ver seus companheiros assim. Seus banhos eram à noite, sem ninguém por
perto. Riobaldo pensava ser apenas uma crendice.
Do mesmo modo
como Riobaldo travava dentro de si uma batalha a respeito de seu amor por
Diadorim, esse sofria com seus conflitos psicológicos. Diadorim possuía uma
personalidade forte e oscilava entre momentos de doçura com a natureza e
momentos em que só buscava ódio e vingança.
“E ele suspirava de ódio, como se fosse por amor.” (ROSA, 1956, p. 46)
Imagem da minissérie Grande Sertão: Veredas (1985) |
A coragem de Diadorim era clara e louvável. Desde a infância
ele já se apresentava como um ser sem medo e demonstra bravura tanto para
atacar o inimigo, como para defender um inocente. Quando conhece Riobaldo, na
época em que ainda eram muito novos, Diadorim o convida para um passeio no rio
e o leva de margem a margem do rio São Francisco. Ao saírem da canoa, Diadorim
da ordem ao canoeiro pra que esse ficasse, revelando uma autoridade que fluía
naturalmente de si. Ao se afastarem da canoa, são abordados por um rapaz que os
interroga sobre o que de errado faziam sozinhos no meio do mato. Diadorim era um
ótimo observador e, percebendo as más intenções do homem, o chamou para mais
perto. Ele se aproximou sorridente, e o garoto, com uma agilidade incrível, o
feriu a faca, sem se preocupar se ele estava armado ou se poderia voltar com
companheiros.
Essa coragem inspirava Riobaldo, fazia com que esse se
sentisse seguro. Além do que, aumentava a sua confiança em si mesmo, acalmando
seus medos.
Quando sozinho com Riobaldo, Diadorim revelava toda sua
doçura ao contemplar a natureza e falar dela como se fosse parte de tudo
aquilo. Ele fez com que o amigo enxergasse toda a beleza que os cercavam,
despertando também nele o apreço pelas belezas naturais e por tudo que fosse
vivo.
“Assaz ele falava assim afetuoso, tão sem outras asas; e os olhos, de
ver e de mostrar, de querer bem, não consentiam de quadrar nenhum disfarce.”
(ROSA, 1956, p. 255)
Após a morte de Joca Ramiro, no entanto, esse Diadorim
delicado, passou a existir cada vez menos. O ódio e a sede de vingança tomaram
conta de seu pensamento, mas ainda assim, em certos momentos, Riobaldo via em
seus olhos sentimentos puros.
“E Diadorim? Me fez medo. Ele estava com meia raiva. O que é dose de
ódio – que vai buscar outros ódios. Diadorim era mais do ódio do que do amor?”
(ROSA, 1956, p. 207)
Em relação ao seu sentimento por Riobaldo, ele nunca
declarou o que realmente sentia, mas as descrições de várias cenas nos levam a
crer que ele também o amava. Não se pode
esquecer, é claro, de que o ponto de vista que conhecemos é apenas o de
Riobaldo, que sustentava por Diadorim um grande amor, podendo ver coisas além
da realidade. Mas que Diadorim possuía uma afeição especial pelo amigo, é fato,
já que lhe confiava segredos e sentia dele um ciúme notável.
“Não convém a gente levantar escândalo de começo, só aos poucos é que o
escuro é claro. Que Diadorim tinha ciúme de mim com qualquer mulher, eu já
sabia, fazia tempo, até. Quase desde o princípio.” (ROSA, 1956, p. 207)
Como já dito, assim como Riobaldo, é provável que Diadorim
também vivesse um conflito mental. Ele estaria dividido entre seguir com os
jagunços em busca de vingança e abandonar o bando juntamente com Riobaldo.
O sertão está presente em cada elemento da obra, até mesmo
na maneira como é narrada. Mas apesar de um pouco “seca”, foi uma leitura muito
prazerosa. Além das experiências adquiridas através dos dramas vividos pelos
personagens, a carga de conhecimento a respeito dos vocábulos e do ato de
escrever que se obtêm ao ler essa obra é imensa. A genialidade do autor encanta
a cada página, assim, o leitor não anseia apenas saber o que acontecerá ao
final, mas “degusta” as histórias, os dramas, as ideias, se deslumbrando com o
universo das palavras, que é tão explorado por Rosa. Ao finalizar a obra,
conclui-se então que o mais importante não é o desfecho em si, mas sim, o
desenrolar da trama. Travessia.
“Falo: português, alemão, francês, inglês, espanhol,
italiano, esperanto, um pouco de russo; leio: sueco, holandês, latim e grego
(mas com o dicionário agarrado); entendo alguns dialetos alemães; estudei a
gramática: do húngaro, do árabe, do sânscrito, do lituânio, do polonês, do
tupi, do hebraico, do japonês, do tcheco, do finlandês, do dinamarquês;
bisbilhotei um pouco a respeito de outras. Mas tudo mal. E acho que estudar o
espírito e o mecanismo de outras línguas ajuda muito à compreensão mais
profunda do idioma nacional. Principalmente, porém, estudando-se por
divertimento, gosto e distração.” (João Guimarães Rosa)
mt interessante gostei mt :)
ResponderExcluirObrigada... Deixe seu nome da próxima vez, gosto de saber mais sobre os leitores do blog.
ExcluirBeijos
ResponderExcluirDiego Cassol Rodrigues
Maravilhoso! Juliana! Emocionante, estou realmente admirado. Amo esse livro, estou lendo, está chegando ao fim, e ja sinto saudade do cenário que criamos de nossas vidas dentro dessas obras maravilhosas. Estou envolto de pessoas que nao entendem o que a literatura brasileira nos tras, entao poder ler um blog como o seu é épico. Juliana, bem como o ilustríssimo Guimaraes Rosa, sou exagerado e falar que se fosse para escolher o modo como descrever essa obra. Eu nao saberia. Voce explixitou isso acima de minhas expectativas. Nao posso descrever minha extensa opniao a tudo aqui postado. Apenas Parabens Juliana Souza.
Olá Diego... Muito obrigada por suas palavras. O livro é incrível, fico feliz em conseguir passar um pouquinho disso para outros leitores...
ResponderExcluirAbraços
Como pode uma pessoa ser tao inteligente como o Guimarae Rosa!
ResponderExcluirComo pode uma pessoa ser tao inteligente como o Guimarae Rosa!
ResponderExcluirMuito boa a análise feita. Parabéns!
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